Na primeira vez que ouvi Cartola, ele me disse: Ainda é cedo, amor/ Mal começaste a conhecer a vida/ Já anuncias a hora de partida/ Sem saber mesmo o rumo que irás tomar. Era realmente cedo, eu ainda nem tinha começado a conhecer a vida e, mesmo que não anunciasse a hora de partida, eu me sentia sem rumo. Pois é, caro leitor, as expectativas do mundo adoecem nossa alma e “em cada esquina cai um pouco [nossa] vida”, não é mesmo?
Bem, o fato é que os versos de Cartola serviram como uma luva à urgência que eu sentia naquele momento. E, como se soubesse exatamente a minha necessidade, ele ainda diz: ouça-me bem, amor. E eu o ouvi!
Depois de escutar O Mundo é um moinho, foi a vez de ser acolhida pelos versos de Preciso me encontrar. O título já é bem sugestivo e, para uma pessoa que já anunciava sua falta de rumo, ouvir aquele dedilhado harmonioso e aquela voz clamando por viver, por nascer e por ver correrem as águas do rio, foi como se aquele cantor, que, até então, eu só conhecia de nome, validasse toda a minha angústia e pressa de viver. Meia hora depois, como quem morre, eu cantava à palo seco: “Deixe-me ir/ Preciso andar/ Vou por aí a procurar/ Rir pra não chorar […] Se alguém por mim perguntar/ Diga que eu só vou voltar/ Depois que me encontrar”.
Desde então, Cartola se tornou frequente em minhas playlists e, exatamente hoje, estava pensando sobre como ele traduz perfeitamente a minha alma. Seria isso uma conexão de librianos? Com certeza não (eu pelo menos não acredito). O fato é que, um dia depois de comemorar os meus vinte e cinco anos “de sonho e de sangue e de América do Sul”, descobri, graças ao Google, que, se fosse vivo, um dos meus cantores favoritos estaria fazendo aniversário hoje. E foi o pretexto perfeito para deixar os meus problemas de escrita de lado e dedicá-lo algumas das palavras que têm me fugido nos últimos meses. Afinal, Cartola é Cartola.
Mas antes de se tornar o que foi: um dos maiores cantores e compositores do Samba, Cartola era Agenor Oliveira, um menino que, desde muito novo, mantinha contato com a arte, com seus familiares, que festejavam o sexto dia do ano fantasiados pelas ruas do Rio de Janeiro, nas festividades do Dia de Reis. O apelido com o qual tornou-se conhecido só veio anos depois, quando ele, para se sustentar, passou a trabalhar como pedreiro, na construção civil, período em que usava um chapéu-coco, para evitar que o cimento caísse no cabelo, o que deu origem ao apelido.
Criador da grande escola de samba Estação Primeira de Mangueira, Cartola teve inúmeros parceiros de composição e de performances, dentre eles, Nelson Cavaquinho, Noel Rosa, Carlos Cachaça e Clementina de Jesus. Além disso, teve suas músicas gravadas e regravadas por grandes nomes da música popular brasileira, como Beth Carvalho, Cazuza, Maria Bethânia, etc.
Cartola nasceu no Catete, no Rio de Janeiro, em 11 de outubro de 1908 e, apesar dos pesares, queixava-se às rosas, mas sabia que o sol ainda nasceria e cantava: “A sorrir eu pretendo levar a vida/ Pois chorando eu vi a mocidade/ Perdida”.
Sobre a autora:
Shirley Pinheiro
Graduanda em Letras pela Universidade Regional do Cariri.