“Sei que não é possível dizer todas as coisas
Nesse feliz ano novo que a gente ganhou
Mas só falta algum tempo para 1-9-8-4
Agora estou em paz: o que eu temia chegou”
(Clamor no Deserto, Belchior, 1977)
Sei que assim falando você pode pensar que esse desespero é moda em 2023 e sim, ando mesmo descontente e, desesperadamente, gritei em português, em inglês e, se soubesse, gritaria até em tailandês, mas meu vocabulário nessa língua se resume aos nomes dos poucos personagens e atores dos BLs e GLs que assisto e que aprendi. 2023 foi duro, meu amigo, mas o que posso dizer é que, aos trancos e barrancos (e desesperos), nós sobrevivemos e a que custo, não é mesmo? E eis que chegam às vésperas de natal e não consigo deixar de fazer uma retrospectiva de tudo o que aconteceu durante o ano.
E a primeira coisa que fiz foi tentar adjetivá-lo. Foi bom? Foi ruim? Foi especial? Ou foi trágico? A verdade é que foi tudo isso, um pouco mais e um pouco menos, repleto de noites regadas a lágrimas, orações não terminadas e roupas cheias de pelos de gatos. Acho que o mais correto seria dizer que 2023 foi “um ano” (ponto final).
E quanta coisa pode acontecer em 365 dias, não é mesmo?
Bom, finalmente fiz vinte e cinco anos. Um quarto de século. E estou oficialmente mais perto dos trinta do que dos vinte, o que acho extremamente charmoso, ainda que essa sociedade patriarcal insista em me dizer que envelhecer não é uma coisa boa (para nós mulheres) e que, na verdade, eu deveria estar reclamando disso nas redes sociais. Infelizmente essa opção não estará sendo cumprida, porque pouca coisa no mundo é mais atraente do que uma mulher madura e esse é o meu objetivo de vida (fora que agora posso dizer, à palo seco, que tenho vinte e cinco anos de sonho e de sangue e de América do Sul).
E ter vinte e cinco anos não mudou absolutamente nada na minha vida. Na prática, é só um número. Eu ainda moro com meus pais, eu ainda estou solteira, eu ainda não bebo, eu ainda tenho certeza que não vou ter filhos, eu ainda tenho minhas crises de ansiedade, geralmente pelos mesmos motivos… A única coisa que eu não sou mais aos vinte e cinco, é estudante de Letras na Urca, porque, em esse ano, eu finalmente apresentei minha monografia (mas isso eu deveria ter feito aos vinte e três).
Falando nisso, estou aterrorizada pelos encantos e desencantos de ser uma pessoa graduada nos dias de hoje (eu nem tenho mais direito a uma cela especial, se for presa, porque, em março, o STF derrubou esse benefício). É a primeira vez na minha vida que não sou aluna de uma instituição de ensino e, como uma pessoa que grita aos quatro cantos que a única coisa que sabe fazer (que preste) da vida é estudar, eu nunca me senti tão desterritorializada, fora as incertezas do futuro (mas isso vou deixar pro ano que vem).
Ainda em 2023, eu conheci a Beata Maria de Araújo e mais uma causa para militar. Você, leitor de Juazeiro do Norte, sabe quem é a Santa Beata e sabe que foi graças a ela que Juazeiro se tornou o que é hoje? Perseguida pela Igreja Católica e um símbolo subversivo da religião popular, Maria de Araújo foi apagada das memórias do povo juazeirense. E é por ela que meu coração selvagem bate toda vez que digo que vou fazer História (e eu vou).
Acho que é seguro dizer também que esse ano, eu me encantei um pouco pelo Padre Cícero. Pra ser sincera, nos últimos meses, minhas crenças se tornaram algo muito singular. De certa forma, minha espiritualidade e o que eu acredito se adaptam às minhas necessidades e ao ser humano que sou. Eu finalmente entendi que Deus não é aquele cara das religiões que não sigo, Deus é a resposta para a qual eu não sei a pergunta e a certeza das dúvidas que me cercam. A concepção de Deus que criei não me julga e nem me acondiciona ao conceito de “pecado”. E é isso (quem achar ruim, sinto muito, mas eu não me importo). E como Deus não trabalha só, eis aqui, uma lista dos santos e orixás a quem recorri em 2023: Padim Ciço; a Santa Beata; Exú; Iansã; Jesus Cristo; Nossa Senhora das Graças e Maria Bethânia (amém e axé).
Esse ano eu me despedacei. Mas sendo bem sincera, mesmo estando à margem o tempo inteiro, até que eu acho que fui bem. Sobrevivi, né? Acho que 2023 vai ficar marcado como o ano que eu precisava viver. Eu precisava conhecer as pessoas que conheci, me despedir das que me despedi. Precisava das experiências que vivi, das madrugadas fora de casa, dos gatos que adotei. Eu aprendi a tomar café e fiquei encantada! E, o que eu considero mais importante, eu aprendi a me virar sozinha.
E, como diz Pitty, “a sustentação é que amanhã já vem”. 2024 bate à nossa porta já com uma longa bagagem de medo, mas pelo menos Lula é o presidente.
Sobre a autora:
Shirley Pinheiro
Graduada em Letras pela Universidade Regional do Cariri.