Rebobinando

Ludimilla Barreira

A última textura que senti na minha bochecha e entre os meus dedos foram os grãos de areia na praia, meio áspero, meio frio, não combinava com as minhas lembranças de sol e sal, da brisa que tocava meus braços e se abrigava no meu peito, dos sorrisos trocados e da música animada. Depois que meu rosto encostou na areia fria e úmida as luzes se apagaram.

Foi um movimento que parecia automatizado, como esses sorrisos que treinamos na frente do espelho para sair bem nas fotos, levantei a mão e a apontei para a minha cabeça. Eu estava cansada de não encontrar uma fuga ou uma solução para todos esses problemas, busquei alívio para o peso amarrado em mim, essa angústia que mastiga cada parte e não me deixa pensar em uma resposta, apenas nas questões.

Aprendi que o mar tem vontade própria, rezei para ele me aceitar, contei com a certeza de que tudo seria carregado, o que eu não resolvesse o mar levaria, afinal, a força incontrolável da água me sugaria para dentro de um redemoinho e me manteria submersa até acabar o ar, depois ele poderia me expulsar, bem longe, dessa forma daria trabalho.

E acabou mais um dia em que não consegui ser eu mesma, preciso confirmar as expectativas, além de preencher o vazio dos outros deixando abismos dentro de mim, mas não sei agir diferente, foi assim que aprendi, tantas pessoas são assim, vivo um dia de cada vez, tenho sonhos, mas não posso realizá-los, ninguém aceitaria que eu largasse tudo e simplesmente desaparecesse sem dar notícias, a verdadeira realização.

Passo horas arquitetando essa fuga de quem sou, como seria desaparecer e simplesmente viver como essa outra pessoa que mora dentro de mim, mas que permanece trancada, pois ela não se encaixa em nenhum dos papéis que tenho permissão para interpretar. Acho que seria cômico ver a cara das pessoas me procurando quando eu mesma não queria ser salva, deve ser difícil aceitar que alguém simplesmente foi embora sem dizer adeus ou dar uma dúzia de explicações.

Depois do almoço gosto de sentar e observar as pessoas vivendo suas vidas ao meu redor, crio nomes e encaixo em personagens de um grande drama, o existencial, me questiono se o papel em que elas estão é de alta ou baixa complexidade, acredito que aqueles que precisam fingir, como eu, acreditam ser bons artistas, naturalmente esforçados, querem ao final ganhar um grande prêmio e levar uma tapinha nas costas.

Mais uma situação que deixa meu coração quase saindo pela boca, minha garganta seca, pensamentos desconexos, não consigo me concentrar, sempre os mesmos sintomas, quando tenho medo de perder o título de a mais esforçada, preparada e competente, não consigo lidar com essa oscilação, a única válvula de escape é comer brigadeiro escondido.

Saí de casa, tentei pensar em outros assuntos, dou três voltas no quarteirão do meu trabalho, quero retardar o momento em que preciso passar pela portaria e começar o coro de “bom dia”, cansativo e enfadonho começar a atuação tão cedo, já início pensando na hora que posso tirar essa máscara e mandar todos irem para o inferno, mas aí eu lembro que estamos juntos no mesmo poço quente com um carcereiro açoitando nossas costas.

Acordei, nem saí da cama e já me sinto cansada, na verdade, abri os olhos, não tenho força, não tenho ânimo, sinto o lençol, penso apenas em voltar o mais rápido para essa mesma posição, mas antes disso preciso enfrentar o dia, nem tenho energia para tentar controlar essa montanha-russa de emoções por horas. Mais um dia ou menos um dia?

Sobre a autora:

Ludimilla Barreira

Leitora, sonhadora, eterna estudante e observadora da vida. Além disso, é bacharel em Direito, especialista em Direito Público, servidora do executivo estadual e defensora da igualdade.

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