Era uma vez, uma garotinha que nasceu num mundo que não lhe pertencia. Com as mãos e pés atados às normas sociais, ao primeiro suspiro, já teve seu destino traçado: na idade certa sairia da casa do senhor seu pai, para a casa do senhor seu marido, onde teria vários filhos e uma cozinha para tomar de conta. Lá ficaria até o fim dos seus dias, fadada a uma existência de servidão e obediência. E viveria submissa para sempre.
Mas à medida que ia sendo educada para o lar, não demorou muito para perceber que queria mais. Queria ser livre. Queria fazer as próprias escolhas. Queria amar e ser amada. Então traçou um plano. Contra todos e todas, ela lutou, gritou e se impôs. Não foi fácil. Ela foi assassinada, queimada e torturada. Chamaram-na de bruxa, de vadia e de vagabunda. Tentaram silenciá-la, apagá-la e retardá-la. Tudo em vão. A garotinha já era grande demais para ser passada para trás. Ela renunciou ao casamento e foi para a escola estudar. Arranjou um trabalho e pagou pela própria liberdade. Agora ela escreve, constrói e leciona; é poeta, médica e presidenta. Tem voto, tem voz e muita história para contar. Se perguntam se ela está satisfeita, — é lógico que não! — ela quer igualdade e respeito. Deixou para trás a vida de submissão e agora vive lutando para sempre.
Crescer mulher numa sociedade patriarcal é deparar-se com ideais limitadores que sempre nos colocam abaixo do homem. Temos nossa força subjugada, nossa liberdade talhada e nossa memória apagada. “Lugar de mulher é na cozinha”, nos dizem, “senta que nem moça”, “mulher não pode falar palavrão”, “mulher não pode isso”, “mulher não pode aquilo”… Por muito tempo essas amarras sociais serviram para nos prender ao modelo de comportamento impostos ao nosso gênero. Educadas para a servidão e para os cuidados do lar, muitas foram as “garotinhas” que se revoltaram com opressão a qual estavam submetidas e em suas lutas por direitos, libertaram consigo muitas outras mulheres.
Historicamente, nós estamos fadadas ao esquecimento. Segundo Virgínia Woolf, no século sempre se sabia algum feito dos homens, foram soldados ou marinheiros; ocuparam tal cargo ou fizeram tal lei. Às mulheres restavam os “feitos” de serem muito bonitas ou ruivas, sempre reduzidas ao casamento e aos filhos. Mas o silêncio não é uma virtude feminina e a nossa luta é antiga. No Brasil, Nísia Floresta carrega o título de primeira educadora feminista, por seus posicionamentos em defesa dos direitos de pessoas negras, indígenas e, em especial, das mulheres, que só puderam ingressar em escolas a partir de 1827, e ainda assim, recebiam educação muito inferior à dos homens.
Bem como a educação, às mulheres foram negadas outras áreas sociais. Na esfera pública, o voto feminino só foi conquistado em 1934, mesma época em que puderam se candidatar a cargos públicos, o que culminou na primeira vitória feminina ao cargo de Presidenta da República em 2014, por Dilma Rousseff. Nos esportes, se hoje nomes como Marta Silva, Formiga e Cristiane Rozeira, enfrentam, com brilhantismo, as dificuldades para elevar a seleção brasileira feminina no cenário mundial, diante da desvalorização que ainda sofrem, é porque, em 1965, as mulheres foram proibidas por lei de praticar o esporte, sendo liberadas apenas 14 anos depois.
No cenário internacional, nossa luta agrega nomes importantes como Simone de Beauvoir, autora de O Segundo Sexo (1949); Betty Friedan, com A Mística Feminina (1963); Silvia Federici, destaque principalmente em debates que relacionam as lutas femininas e a caça às bruxas ocorridas entre os séculos XVI e XVII; Angela Davis, figura importante para o feminismo nergro; Judith Butler, um dos principais nomes em discussões acerca de questões de gênero e identidade, que criou da teoria queer, que afirma que orientação sexual e identidade de gênero são o resultado de um constructo social e que, portanto, não existem papéis sexuais essencial ou biologicamente inscritos na natureza humana; etc.
As conquistas das mulheres vieram a duras penas. Fomos mortas, perseguidas, queimadas, torturadas, difamadas, silenciadas e esquecidas. Tudo em vão, porque não nos calamos. E seguimos batalhando pela nossa voz, pelo direito de contar nossa própria história e pela nossa liberdade. E vivemos lutando para sempre.
Sobre a autora:
Shirley Pinheiro
Graduanda em Letras pela Universidade Regional do Cariri.