0 refrão que eu faço
É pra você saber
Que eu não vou dar braço
Pra ninguém torcer
Deixa de feitiço
Que eu não mudo não
Pois eu sou sem compromisso
Sem relógio e sem patrão
(Chico Buarque, 1965)
Quando o assunto é música de protesto, muitos são os cantores brasileiros que merecem o destaque — Belchior, Nara Leão, Raul Seixas, Caetano Veloso, Rita Lee — todos de uma geração marcada pelos horrores das guerras que aconteceram ao redor do mundo e das ditaduras e crises políticas que acometeram o Brasil no século XX. Entre os nomes de grandes artistas perseguidos pela censura está o de Chico Buarque, filho do historiador Sérgio Buarque de Hollanda.
Nascido no Rio de Janeiro em 19 de junho de 1944, Chico, que, além de cantor, também é compositor, escritor e dramaturgo, deu trabalho àqueles que viam a arte como uma ameaça aos interesses do governo. Seu posicionamento político sucedeu em uma “visita” do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), órgão cuja função era assegurar e disciplinar a ordem militar no Brasil nos períodos do Estado Novo e ditadura militar, que chegou a levá-lo de casa. Entre 1969 e 1970, o cantor carioca autoexilou-se em Roma, na Itália, com sua então esposa, Marieta Severo, e a filha mais velha do casal. “A escolha da Itália para o autoexílio se deveu a dois fatores: lá Chico passara dois anos de sua infância e, portanto, dominava o idioma; e o sucesso que a gravação de “A banda” pela cantora Mina fizera naquele país lhe valeu um convite para a gravação de um disco. No começo correu tudo bem, mas, com o passar do tempo, ele deixou de ser a novidade, o autor da “Banda” em visita ao país, para se tornar um residente. A partir daí começaram a escassear os convites para shows, e a situação ameaçava se complicar. Era necessário trabalhar. Afinal, ele estava casado, e havia uma boca a mais para sustentar: sua filha Silvia, que nascera em março de 1969” (HOMEM, 2009).
Interpretada por Nara Leão, A Banda, composta em 1966, venceu o primeiro lugar do II Festival da Música Popular Brasileira promovido pela TV Record e lhe rendeu, além de um programa televisivo, ao lado de Nara, chamado Pra ver a banda passar, seu primeiro confronto com a ditadura, quando a música foi usada pelo governo numa propaganda de alistamento militar. O protesto de Chico teve resultado positivo e a campanha parou de ser exibida.
Chico Buarque teve uma infância movimentada, muitas foram as mudanças em decorrência à profissão de seu pai, quando tinha dois anos, a família mudou-se para São Paulo e nove anos depois para a Itália. A casa do cantor era ponto de encontro para artistas e intelectuais da época, como o poeta Vinícius de Moraes, que fomentou o seu desejo de cantar como João Gilberto, fazer músicas como Tom Jobim e escrever letras como o poetinha.
Atuante na política até os dias de hoje, Chico Buarque é autor e intérprete de canções recheadas de denúncias e críticas sociais, tais como Cálice — “Talvez o mundo não seja pequeno (cálice)/ Nem seja a vida um fato consumado (cálice, cálice)/ Quero inventar o meu próprio pecado/ Quero morrer do meu próprio veneno” e Apesar de Você — “Apesar de você/ Amanhã há de ser/ Outro dia/ Inda pago pra ver/ O jardim florescer/ Qual você não queria/ Você vai se amargar/ Vendo o dia raiar/ Sem lhe pedir licença/ E eu vou morrer de rir/ Que esse dia há de vir/ Antes do que você pensa”. No entanto, Chico atribui a Tem Mais Samba o seu pontapé inicial na carreira como compositor:
Tem mais samba no homem
Que trabalha
Tem mais samba no som
Que vem da rua
Tem mais samba no peito
De quem chora
Tem mais samba no pranto
De quem vê
Que o bom samba
Não tem lugar, nem hora
O coração de fora
Samba sem querer
Vem que passa
Teu sofrer
Se todo mundo sambasse
Seria tão fácil viver
(Chico Buarque, 1966)
Chico Buarque também enveredou-se no caminho da escrita literária. Vencedor do Prêmio Camões em 2019, seus escritos contam com romances, livros infantis, peças de teatro e novelas, todos dotados pelas mesmas críticas e denúncias em sua obra musical. Um artista completo, que nos proporciona arte de qualidade há 78 anos.
REFERÊNCIAS:
HOMEM, Wagner. Histórias de canções: Chico Buarque. São Paulo : Leya, 2009.
Sobre a autora:
Shirley Pinheiro
Graduanda em Letras pela Universidade Regional do Cariri.