Alexandre Lucas
Olhamos os livros, as plantas. Sentamos. Pedimos suco, abacaxi com hortelã, outro de cajá e uma tapioca com frango. Conversamos sobre comida e detalhes esquecidos. Uma moça, branca, gorda, simpática e com menos de 20 anos, chega com um papel na mão como se quisesse anunciar uma venda. Surpresa, ela entrega um desenho e diz: achei você tão bonita que resolvi te desenhar. Saiu rapidamente, sem espaço para agradecimentos. Ficamos apreciando a delicadeza e o quanto a desnecessidade é necessária.
A massa de modelar e algumas tintas estavam guardadas num saco para embrulhar presentes, de algum presente que ganhei, acho que de minha mãe. Era desnecessário, mas como o desenho, também necessário.
Chegamos. Breve parada na escada, alguns beijos para não esfriar as conversas do dia, as promessas se iniciavam. A massa de modelar e as tintas estavam na mesa como os olhares desconfiados. Na varanda, tocamos os botões e as rosas. A roseira vermelha estava desabrochando, as brancas estavam todas exibidas, tinham ainda as rosas e as amarelas e entre elas, nossos abraços e beijos de cara para rua.
A chuva abafava a cantoria dos sentidos descompassados. Enquanto, tomávamos banho de suor e desejo. A ponta da tua língua afiada de tesão escrevia a profundidade do poema que transbordava pela carne. Descemos as escadas para subir as chamas.
Espalhamos o cheiro de erva doce para sentir a suavidade do fogo. A noite não deveria acabar.
Voltamos para a rua. Andamos debaixo do guarda-chuva até a nova escada. A massa de modelar e as tintas subiam, como uma desnecessidade necessária. Nós salivamos ainda porque o gosto lateja, mesmo quando é difícil verbalizar o amor e a carne passeia cheias de palavras bordadas.
Sobre o autor:
Alexandre Lucas
Alexandre Lucas é escrevedor, articulista e editor do Portal Vermelho no Ceará, pedagogo, artista/educador, militante do Coletivo Camaradas e a integrante da Comissão Cearense do Cultura Viva.