Livro de estreia de Jarid Arraes no gênero dos contos, Redemoinho em Dia Quente traça pequenos perfis das cidadãs comuns das ruas do Cariri. Lançado em 2019 pela editora Alfaguara, traz, ao longo de 127 páginas, trinta contos protagonizados por mulheres plurais que precisam lidar com questões oriundas do próprio íntimo.
Nascida em Juazeiro do Norte, Jarid Arraes é escritora, cordelista e poeta. Criadora do Clube de Escrita Para Mulheres, desde cedo teve influência da poesia, já que seu avô, Abraão Batista, e seu pai, Hamurabi Batista, são cordelistas e xilogravadores conhecidos no Cariri e logo a introduziram à arte de versejar. É autora dos livros As Lendas de Dandara (2016), Heroínas Negras Brasileiras em 15 Cordéis (2017), Um Buraco com Meu Nome (2018), além de mais de setenta títulos em Literatura de Cordel.
Dividido em duas partes, Redemoinho em Dia Quente tem a fé católica como temática recorrente nas vidas de algumas de suas protagonistas, tal qual nas vidas de muitos juazeirenses, cuja religiosidade e turismo religioso são de grande relevância à economia local. Na primeira parte, “Sala das candeias”, a autora referencia Nossa Senhora das Candeias, que tem uma das maiores romarias de Juazeiro do Norte, em que os devotos acendem velas e candeeiros em sua homenagem. Na segunda parte, “Espada no coração”, Jarid Arraes faz referência à padroeira da cidade, Nossa Senhora das Dores, representada com sete espadas no coração, cada uma para as dores vividas pela mãe de Jesus.
Cada conto introduz-nos ao cotidiano de figuras típicas e comuns, facilmente identificáveis por serem parte da nossa cultura. Uma senhora muito devota do Padim Ciço, que acha uma sacola com drogas e acredita que é seu caminho para encontrar o padre. Uma menina de onze anos assombrada pela presença (e, posteriormente, a ausência) da avó doente que precisa dos seus cuidados. Uma mulher presa a um companheiro violento, aterrorizada com a possibilidade de morte após “desapontar” este homem. Uma cordelista que vendia seus versos na praça Pe. Cícero.
Os cenários da cidade são realistas e afetivos, capazes de causar reconhecimento aos leitores que já transitaram pela Praça da Sé, no Crato; que subiram a Serra do Araripe para acampar ou fazer trilhas, que visitaram o horto, que fizeram suas orações na Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, popularmente conhecida como Igreja do Salesiano, em Juazeiro do Norte. Até mesmo os espaços comuns de uma cidade do sertão caririense são reconhecíveis:
“Paramos na linha do trem, olhando as casinhas quase gêmeas, diferentes apenas pelas cores das paredes. Uma porta de madeira, uma janela de madeira. Em cada uma delas. O formato familiar, inteligível, paisagens de tantos dias em que retornava para casa e tantas vezes, até mesmo, eu pensava que aquilo era uma marca de vergonha, porque era pobreza. Hoje sou capaz de perguntar se é possível ser rico e habitar uma casa como aquela. Ou a riqueza exige de alguém os formatos espelhados que podem ser arquitetura de qualquer terra?” (ARRAES, 2019, P. 86)
Para a construção da obra, Jarid Arraes criou um mosaico de histórias profundas das ruas e mulheres do Cariri, através de fotografias tiradas durante uma viagem à sua terra natal, enquanto Redemoinho em Dia Quente ainda estava em processo de escrita. Essas fotos foram exibidas numa exposição no segundo lançamento do livro, em São Paulo, e estão disponíveis no site do livro.
Mulheres caririenses. Meninas, moças, adultas e idosas. Mulheres negras, transgêneros, homossexuais, bissexuais. Mulheres sonhadoras, cotidianas, violentadas pelas estruturas sociais e machistas. Personagens marginalizados e reais. Mulheres comuns. Jarid Arraes apresenta o Cariri que a gente conhece bem, longe dos estereótipos de sertão representado pela mídia. Nossos dialetos, nosso sotaque e nossa cultura estão devidamente retratados. Difícil é não se sentir representada com uma protagonista que adora o aluá das renovações, ou com as crianças que pegam bigu e mandam uma ruma de coisa para baixa da égua.
ARRAES, Jarid. Redemoinho Em Dia Quente. 1ª ed. Rio de Janeiro, RJ: Alfaguara, 2019.
Sobre a autora:
Shirley Pinheiro
Graduanda em Letras pela Universidade Regional do Cariri.