Lembranças de uma anarquista chamada Zélia Gattai

Luciana Bessa

“Anarquistas Graças a Deus”, primeira obra da escritora Zélia Gattai (1916-2008), é um registro de seu nascimento, infância e adolescência, mas é também um importante relato da imigração italiana na cidade de São Paulo, no início do século XX.

Publicado em 1979, ano em que recebeu o prêmio Paulista de Revelação Literário, com mais de duzentos mil exemplares vendidos, “Anarquistas Graças a Deus”, tornou-se minissérie – dirigida por Valter Avancini – veiculada pela Rede Globo, no ano de 1984.

Em “Anarquistas Graças a Deus” a “vida explode” como diria o escritor, incentivador e marido de Zélia, Jorge Amado (1912-2001). Ao narrar a si, a escritora narra o(s) outro(s) – espanhóis, libaneses, portugueses –  imigrantes como ela que viveram nos bairros do Brás, Bexiga e Mooca, – marginalizados por sua cor, por sua nacionalidade, por seus valores e suas ideias em construir um mundo sem hierarquias, baseado na cultura da autogestão, da solidariedade e da coletividade.

Registra, ainda, uma São Paulo sem o barulho dos carros, sem poluição, com céu azul, serenatas, em que se escutava discos no gramofone, cortejos de carros fúnebres, em que os moradores dormiam com suas portas sem trancas, em que fazer compras na Loja Ceylão, ir para o Cinema América era a diversão da família paulistana não abastada.A família Gattai (Ernesto e Angelina, marido e esposa, e os filhos, Tito Remo, Wanda, Vera e Zélia) testemunharam a chegada do rádio, o fim do cinema mudo, as competições automobilísticas (seu Ernesto foi um dos primeiros moradores paulistanos a ser “conductor de carro automóvel” e fazer a travessia São Paulo-Santos e Santos-São Paulo).

A leitura de “Anarquistas Graças a Deus” nos possibilita conhecer: 1) A gênese do movimento anarquista no Brasil; 2) O pensamento liberal do imperador Dom Pedro II, que concedeu terras e apoiou a primeira colônia (“Cecília) anarquista no país; 3) A prática de leitura de uma família anarquista (Germinal”, de Émile Zola (1840-1902), “Os Trabalhadores do Mar” e “Os Miseráveis”, de Victor Hugo (1802-1855), “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri (1265-1321); 4) as lutas anarquistas e comunistas por um mundo mais justo; 5) o movimento feminista no Brasil etc.

Para além de esposa, datilógrafa e revisora dos textos do marido, Jorge Amado, a antiga ocupante da cadeira nº 23, da Academia Brasileira de Letras (ABL), é autora de nove livros de memórias, um romance, uma fotobiografia e três livros infantis que esperam para serem lidos.

Sobre a Autora:

Luciana Bessa Silva

Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler

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