Manoel de Barros: um poeta incompleto

Um dos mais importantes poetas do século XXI, Manoel de Barros, cujo quintal era maior do que o mundo, nasceu no dia 19 de dezembro de 1916, em Cuiabá, Mato Grosso. Tinha no Pantanal a sua poesia e na Natureza sua inspiração. 

Conhecido como “poeta das infâncias” em virtude de sua trilogia Memórias inventadas (2005, 2006, 2007), Manoel de Barros criou uma obra ímpar dentro da literatura brasileira capaz de levar o leitor a compreender que a grandeza está nas coisas pequenas da vida.

Considerava-se um homem abastado por ser possuidor de uma família (Stella Barros, esposa; Marta, Pedro e João Barros, filhos), por escrever e por ser incompleto. Não gostava de pensar na imagem de um trem sobre os trilhos, porque seguir sempre na mesma direção lhe era agoniante. Talvez por isso se considerasse como a água que “corre entre pedras”. A liberdade, a fluidez e a simplicidade eram os elementos bases de sua essência. 

A espontaneidade com que gostava de ler as palavras ainda na infância e tempos depois em sua escrita,  fez Manoel de Barros rebelar-se contra o maior orador em Língua Portuguesa – Padre Antônio Vieira.

O poeta, que “bem entendia o sotaque das águas”, era defensor de uma linguagem preocupada com a verdade e não com os elementos sintáticos, e quando descobriu com Arthur Rimbaud que podia “misturar todos os sentidos”, criou Arranjos para assobio (1980), guardou água, na obra O guardador das águas (1989), Prêmio Jabuti, cativou vocábulos, no livro Encantador de palavras (2000) e atiçou o amanhecer em O fazedor de amanhecer (2001) etc.

Não admitia ser um sujeito daqueles que abrem portas, puxava válvulas, olhava o relógio e comprava pão no mesmo dia e horário. Era enfático ao dizer: “… eu preciso dos outros”. É com o outro que nos humanizamos, nos fortalecemos e aprendemos que escutar o silêncio é divino; viver sozinho é amargar na solidão, sentir o gosto ácido das palavras e se perder no labirinto da existência. 

Estreia na literatura somente em 1937 com Poemas concebidos sem pecado, em uma tiragem artesanal de vinte exemplares organizada pelos amigos, porque perdera seu primeiro livro – Nossa Senhora de minha escuridão, que foi apreendido pela política depois d’ele ter grafitado a frase – “Viva o Comunismo” em uma estátua da União da Juventude comunista.  

“Ele me coisa/ Ele me rã/ Ele me árvore”, assim era Manoel de Barros, um Menino do Mato, em alusão a sua obra de 2010, que dava beleza as coisas que não existiam, que criava sapos para engolir a aurora, que desenhava o cheiro das árvores, que fazia Ensaios fotográficos (obra dos anos 2000), que se tornou ateu depois de ingressar na escola, que se decepcionou e rompeu com o Partido Comunista, quando Luís Carlos Prestes resolveu declarar apoio ao Getúlio Vargas, o homem que o deixou sem voz durante dez anos.

Ele, Manoel de Barros, me transpassa com seus (des)limites, (des)começos, por sua capacidade inventiva – “Tudo que não invento é falso” – por apreender e ressignificar o sentido das coisas, sua crença de que a criança e a poesia fazem o verbo poético “delirar”. Seus versos interrogativos me dão a certeza de que a incerteza aproxima criador e criatura, posto que somos humanos e duvidar é preciso e poético. 

Sobre a autora:

Luciana Bessa Silva

Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler

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