Uma mente inventiva chamada Maria Clara Machado

Luciana Bessa

Filha de Aníbal Machado, escritor e crítico literário, e de Aracy Varela, Maria Clara Machado foi uma mineira, nascida no dia 03 de abril de 1921 em Belo Horizonte, que se tornou carioca, já que a família se radicou no Rio de Janeiro, quando ela tinha apenas 04 anos de idade. 

Sua infância foi marcada pela convivência com intelectuais que frequentavam a sala de sua casa – Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, Di Cavalcanti – bastantes livros e dois acontecimentos que reverberam em sua obra: o contato com a natureza, experimentado na fazenda do avô Virgílio e a morte de sua mãe, quando Machado tinha 09 anos. Dela, guardou os últimos beijos e abraços. É que a memória é precária. Às vezes, a gente (mesmo não querendo) esquece.

A necessidade de afeto materno foi compensada pela religião, que fazia a menina Maria Clara Machado “imaginar as ações mais incríveis”. Desejou, então, ser uma missionária e fazer coisas diferentes, como entrar em um avião “cheio de bíblias e despejá-las na selva para os índios se converterem”. Aprendeu tempos depois que é preciso respeitar as crenças de cada um. Não podemos pensar em mudar o outro, mas entender e respeitar as doutrinas de cada povo para não corrermos o risco de fomentar a intolerância. 

Na adolescência vivenciou alguns conflitos existenciais. Seu pai, o modernista Aníbal Machado, autor de Tati, a garota (1960), era um marxista (do pescoço para cima) e um cristão (do pescoço para baixo). Machado confidenciou, em algumas entrevistas, que essa subdivisão de ideias de seu genitor a deixava angustiada e confusa, pois as conversas eram sempre alegres, divertidas, modernas, livres, mas a educação dos filhos era em colégios de freiras, em que se usava milho dentro do sapato como forma de sofrer por Jesus. 

Na adolescência entrou no Movimento Bandeirante, grupo de educação não formal de jovens. Lá aprendeu, dentre outras coisas, a importância do coletivo e desenvolveu o gosto pelo teatro. No ano de 1951, com o apoio do pai, “um comunista romântico”, criou a escola de teatro amador “Tablado”, com a apresentação da peça “O Pastelão e a Torta”. Três anos depois, em 1954, foi laureada com a peça “O Rapto das Cebolinhas” – Prêmio de “Melhor Autor”, no Concurso Anual de Peças Infantis da Prefeitura do Distrito Federal.

No ano anterior, viveu o inesquecível: a convite de Dom Hélder Câmara, em um tablado armado nas praças do subúrbio do Rio de Janeiro, compartilhou com as crianças o texto “O Boi e o Burro a Caminho de Belém” – uma peça de valores cristãos que narra o nascimento do Menino Jesus. Subvertendo o tom tradicional, Machado insere três Rainhas Magas para acompanhar os Três Reis Magos e presentear o enviado pelo Pai. 

Essa ideia ganhou novas adeptas. No ano de 2009, a escritora e vencedora do Jabuti, Renata Pallottini, nos brindou com a obra As Três Rainhas Magas, que conta a história do nascimento de Jesus de maneira bem-humorada e com uma linguagem poética, a partir de uma visão feminina e feminista.

Maria Clara Machado, uma educadora por meio do teatro, criou uma linguagem própria para falar com as crianças, nos legou 12 livros, 29 peças infantis e 5 espetáculos para adultos, contribuiu para a formação de mais de 5000 atores/atrizes, mas, especialmente, deixou-nos fantasminhas (Pluft, O Fantasminha, 1955), bruxas (A bruxinha que era boa, 1958), corujas (A coruja Sofia, 1994), que povoam nossa memória, aguçam nossa imaginação e despertam nossa curiosidade.  

Sobre a autora:

Luciana Bessa Silva

Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler

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