MEMÓRIAS DE BÁRBARA CABARRÚS

Nivaldete Ferreira é escritora de livros infantis, contos e textos teatrais, mas somente em 2008, aventurou-se pelo universo ficcional do romance, com Memórias de Bárbara Cabarrús. Trata-se da protagonista da obra, uma mulher forte, destemida, dotada de sensibilidade e um olhar generoso para o próximo, que precisou pressionar seu pai, pegar em uma espingarda e apontar para o seu irmão para ter o direito de estudar, em uma época, século XIX, em que a mulher era destinada ao casamento e à reprodução.

A obra traz como epígrafe o trecho de um poema do escritor português Fernando Pessoa, que aborda uma das características da protagonista: a busca pela liberdade. “E é sempre melhor o impreciso que embala do que o certo que basta…”. A vida “com um gosto vencido” (p. 77), um casamento convencional, os cuidados com o ar e a maternidade não eram suficientes para Bárbara Cabarrús.

Após a epígrafe, o leitor vai encontrar uma espécie de nota explicativa sobre o valor das Memórias, que “são ácidos e brinquedos. Mais ácidos que brinquedos”. Elas “Ardem, divertem, queimam” (p. 9). Contudo, para a protagonista não significa, que seja algo ruim, pois ela acredita que só os jejuadores, aqueles que vivem em branco, não têm fatos a contar.

As memórias resultam de um esforço de olhar para o passado, vivendo no tempo presente. Por isso, não pode apresentar um discurso uniforme, homogêneo, uma vez que o memorialista tem de lidar com a ausência, a falta que produz a mente e o coração. Por isso, é bom que o leitor saiba que estamos diante de memórias “embaralhadas e incompletas” (p. 9), como se fossem assuntos puxados de uma conversa sem pressa, porque a única urgência de Bárbara era viver livremente.

Bárbara, que não é de  Alencar, mas Cabarrús, sobrenome herdado da esposa espanhola de seu tataravô (Manuel Andrade Gomes), Violeta Cabarrús, “mulher de gênio forte, audaz e temida” (p. 59), é filha do coronel/bispo Mendonça e de Elisa, mulher branca como uma nuvem. Neta de Vó Joana e irmã do Bacharel em Direito, Getúlio foi prometida ao primo Luís Cravo, mas declinou do casamento, porque não sabia “obedecer a ninguém”, não desejava ser como as outras moças que conhecia: “bonecas de pano com  linhas pintadas pela mãe, pela avó, pelo pai…” (p. 23), não conseguia dar risada facilmente e ser “Maquininha de receber sêmen” (p. 32). Bárbara não se adequava aos padrões de uma sociedade patriarcal, que roubava a identidade da mulher em prol de uma felicidade inventada.

Solteira aos 32 anos, Bárbara resolveu abandonar a “vida besta” de Mira-Poço: desejava ser professora e escrever. Desaconselhada pelo pai, que dizia que a escrita era coisa de homem e que Bárbara seria incapaz de dar “aconselhamento à juventude e às mulheres” (p. 77), ela partiu para Sólpolis. A primeira pedra no caminho foi o espanto de  Edmundo Praxedes, dono do jornal “A Voz do Povo”, em ter uma mulher “solteira metida em jornal” (p. 78). Depois de três meses de conversa, o jornalista impôs uma condição para que Bárbara fizesse parte de sua redação: usar um pseudônimo masculino, mas ela argumentou.

Acusada de ser contra a família, de exercer má influência junto às mulheres, de ter sua casa enxovalhada de ovos, ela “veio a ser chamada de jornalista, contra tudo e contra todos”. Os políticos passaram a temer “A Voz do Povo”… Ou a voz de Bárbara Cabarrús” (p. 79). Quando tiveram acesso caneta e ao papel, as mulheres passaram a ser (mais) respeitadas.

Memórias de Bárbara Cabarrús é uma narrativa ágil e dinâmica sobre uma mulher branca e de família abastada, que lutou fervorosamente por sua liberdade e felicidade e, que para isso, precisou comer “o pão que o diabo amassou”, mas que diante da solidão, do abandono, das lágrimas e dos nãos conseguiu o seu intento.

Sobre a autora:

Luciana Bessa Silva

Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler

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