Literatura e política, os encontros de Graciliano Ramos e Luiz Inácio Lula da Silva na luta pelos direitos sociais

“Sabia perfeitamente que era assim, acostumara-se a todas as violências, a todas as injustiças. E aos conhecidos que dormiam no tronco e aguentavam cipó de boi oferecia consolações: — ‘Tenha paciência. Apanhar do governo não é desfeita’.” (RAMOS, 1938)

Em 27 de outubro, nasceram dois homens no sertão nordestino. O primeiro em 1892, em Quebrangulo, no interior de Alagoas. O segundo em 1945, no município de Garanhuns, em Pernambuco. Dois sertanejos inconformados com as injustiças e o descaso sofridos pelo seu povo, que dedicaram suas vidas e trabalhos à luta contra as desigualdades sociais. Seus relatos sobre a seca, a pobreza e a fome no Nordeste correram o território brasileiro: o primeiro através da literatura e o segundo pelos seus discursos políticos. O alagoano se tornou um dos mais célebres escritores nacionais. O pernambucano carrega o título de melhor presidente da história do Brasil. Graciliano Ramos e Luiz Inácio Lula da Silva, dois nordestinos que fazem aniversário na mesma data, cujos caminhos se cruzam além das coincidências.

Graciliano Ramos nasceu numa família de classe média, o mais velho de doze irmãos, estudou num internato em Viçosa (AL), onde publicou seu primeiro conto — O Pequeno Pedinte — no jornal da escola. Em 1905, passou a viver em Maceió (AL) seguindo seus estudos e, no ano seguinte, estabeleceu uma relação mais próxima com a literatura e a escrita, quando passou a redigir o periódico quinzenal Echo Viçosense e a publicar sonetos para a revista carioca O Malho, com pseudônimo Feliciano Oliveira. Até que, em 1914, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde passou a escrever para os jornais Correio da Manhã, O Século e A Tarde.

Luiz Inácio é o sétimo filho de um casal de lavradores analfabetos do sertão pernambucano. Enfrentou com a família a dureza da seca no Nordeste, passou fome e viu quatro, de seus doze irmãos, morrerem por conta da pobreza de sua família. Ao contrário de Graciliano Ramos, Lula não frequentou a escola, desde cedo teve que trabalhar para ajudar no sustento da família. Em 1952, aos sete anos, como previa o cantor Belchior, mudou-se para São Paulo, “pois o que pesa no norte, cai no sul, grande cidade”. Na vida dura da capital, Lula intercalava o trabalho com os estudos, até que concluiu o ginásio e, aos 14 anos, o menino passou a trabalhar de carteira assinada numa metalúrgica. Durante o golpe militar, Lula se deparou com censura e a repressão, cujo resultado foi “um longo período de retração da economia, acompanhada de desemprego, abusos trabalhistas e inflação”.

Graciliano Ramos se tornou um dos maiores escritores da Literatura Brasileira, suas obras retratam as injustiças sociais, o descaso do governo com o povo sertanejo e a dura realidade nordestina no enfrentamento das grandes secas enfrentadas pela região. Lula se tornou metalúrgico, passou a atuar em atividades sindicais, e virou militante da classe dos trabalhadores, no comando de greves gerais, tornou-se o principal nome da oposição no cenário político que o Brasil se encontrava.

A vida política de Ramos e Lula coincide mais uma vez quando ambos se aproximam do Partido Comunista Brasileiro, Graciliano se filiou em 1945 e Lula foi convencido pelo irmão a participar clandestinamente das reuniões do partido. Ambos presos pela repressão política de seus tempos, Graciliano durante a ditadura Vargas e Lula na da ditadura militar, dois nordestinos que desafiaram a ordem vigente.

Mas o grande feito desses dois nordestinos está pautado na obra Vidas Secas, escrita pelo alagoano. A obra da segunda fase modernista, publicada em 1938, é uma narrativa documental, em que Graciliano Ramos conta a história miserável de uma família de retirantes, que se vê diante da brutalidade da seca, enfrentando a vida e a morte, obrigados a abandonar sua terra em busca de melhores condições de existência. Uma realidade enfrentada por milhares de nordestinos ao longo dos séculos XIX e XX. Realidade esta, que se tornou ficção com a escalada de Luiz Inácio à presidência do Brasil. Ao longo de dois mandatos (2002 – 2010), Lula foi responsável por criar diversos programas sociais que levaram água ao sertão nordestino e retiraram o Brasil do mapa da fome. O sofrimento enfrentado pela família de Fabiano, protagonista da obra Vidas Secas de Graciliano Ramos, foi legado apenas à ficção e ao passado, um registro das razões pelas quais Euclides da Cunha nos lembra que “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”.

Desse encontro entre a literatura e a política, se sobrepõe a valorização do povo pobre, que luta pela sobrevivência, na esperança de dias melhores e de governadores que se preocupem com suas necessidades. E no meio dessa luta, um escritor e um político, que embasam seus legados nas lutas sociais. Dois homens de palavras simples e grandes ações.

Sobre a autora:

Shirley Pinheiro

Graduanda em Letras pela Universidade Regional do Cariri.

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