Um mosaico de amor-dor-alforria

Cartas de dor Cartas de Alforria, publicado em 2018 pela Fundação Casa de Jorge Amado, é de autoria da educadora, escritora e cordelista, Mabel Velloso, irmã dos cantores e compositores Maria Bethânia e Caetano Veloso.

Composta de quarenta e uma cartas, a obra nasceu, segundo sua própria autora, das coisas que ela mesma viveu e outras que foram contadas. No intuito de não esquecer, afinal, a memória é precária, Mabel resolveu registrar a tríade: amor-dor-alforria.

Esse encontro/desencontro entre o feminino e o masculino é marcado por temáticas que nos possibilitam refletir no tipo de relação que temos e o tipo de relação que merecemos.

Há tempos dizia o poeta Fernando Pessoa, por meio de seu heterônimo Álvaro de Campos: “Todas as cartas de amor são ridículas. / Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas. / Só as criaturas que escreveram / Cartas de amor / É que são ridículas”. Eu, por exemplo, já escrevi muitas cartas: algumas de amor, outras de saudade da família e, muitas outras, para encurtar a distância dos amigos depois que fui morar em outra cidade.

Por meio das cartas, conhecemos parte da história da humanidade. Escrevê-las foi uma forma que, nós mulheres, encontramos para registrar momentos de luta, de angústia, de solidão, ou mesmo, para relatar o cotidiano e confessar nossas mágoas diante de tantas atrocidades a que fomos/somos submetidas.

As Cartas de Mabel Velloso nada têm a ver com o amor, mas com a dor por ele causada. A equação matemática nessa obra é simples: para cada dor sentida por uma mulher, uma alforria é conquistada.

A autora inicia sua obra com uma não-dedicatória: “Estas cartas não podem, nem devem ser dedicadas. Todas elas foram passadas a limpo para que as mulheres que sofrem por amar demais encontrem uma forma de passarem suas vidas a limpo”. Se amar não é fácil, imagine, amar demais, por isso, a necessidade de se escutar por meio das cartas. A escuta sensível é uma possibilidade de entrar em contato com a realidade que teimamos em esconder.

Outro aviso importante da autora: “P.S. Proibido a leitura às mulheres felizes”. A prefaciadora da obra, a poeta e cantora Elisa Lucinda, não concorda com Mabel, pois alega que cada queixa presente nas cartas “esclarece sobre os caminhos e descaminhos do amor”. Amores esclarecidos são bem saudáveis do que os amores iludidos.

Cartas de dor Cartas de Alforria (2018) deve ser lido por todos aqueles que acreditam, que já tiveram, ou que desejam ter relações amorosas, porque nos coloca diante de relatos, pessoas e histórias reais. O amor real nos ensina mais do que ficcional, embora esse aguce nossa imaginação.

As cartas são datadas de 1969 a 1989. Nesse lapso temporal somos capazes de perceber a mudança de comportamento do feminino. Nas cartas das décadas de 60 e 70, observamos mulheres com “vendas nos olhos” para as traições dos maridos. Na década de 80, já é possível notar que a força patriarcal do período anterior vai perdendo suas forças: “Não tenho estudo, mas sei que a mulher está sendo bem falada. Estão dando importância e valor a todas”.

É importante destacar que a partir de 1980, no Brasil, o movimento feminista começou a participar de associações, partidos, sindicados, ONGs. Em 1988, com a Constituição Federal, foi extinguida a tutela masculina na sociedade conjugal. Diante disso, a força social e política dos chamados “movimentos das mulheres” se alastrou por diferentes espaços.

Cartas de dor Cartas de Alforria (2018) é uma obra composta de textos curtos, com uma linguagem coloquial, contando histórias que poderiam acontecer com qualquer uma de nós. A mensagem que nos fica é: o amor é libertação.

Sobre a autora:

Luciana Bessa Silva

Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler

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