Alguns meses antes de morrer, em carta à sua amiga Lygia Fagundes Telles, Clarice Lispector comemorou a entrada de Rachel de Queiroz como a primeira mulher a integrar o corpo de intelectuais da Academia Brasileira de Letras (ABL) e previu a entrada de mais três mulheres, Dinah Silveira, como a segunda; a própria Lygia, como a terceira e Nélida Piñon, como aquela que causaria grande modificação na instituição, pois esta teria coragem para modificá-la. Clarice não poderia ter sido mais cirúrgica em suas previsões. Uma a uma, na ordem especificada pela autora, as mulheres se tornaram membros da ABL. Quanto à revolução que Nélida Piñon causaria? Pois bem, em 1997, no ano do centenário da Academia, a autora de Madeira Feito Cruz (1963) tornou-se a primeira mulher a presidir a instituição.
Nascida em 3 de maio de 1937, na capital do Rio de Janeiro, Nélida Piñon despertou muito jovem para a literatura. Sempre muito influenciada pelos pais galenos a ler e escrever, quando criança, seus primeiros textos foram “vendidos” para o pai e outros familiares. E não demorou muito para que o resto dos brasileiros também pudessem adquirir seus escritos. Em 1961, publicou seu primeiro livro, Guia-Mapa de Gabriel Arcanjo, uma obra que aborda temáticas como pecado, perdão, e a relação entre homens e Deus.
Mas se engana quem acredita que a literatura de Nélida se limitou às fronteiras que delimitam o território brasileiro. Traduzida em mais de 30 países, sua obra consiste em contos, romances, ensaios, crônicas e memórias, vencedores de prêmios como, o Jorge Isaacs, na Colômbia; Prêmio Rosalía de Castro, na Espanha e Prêmio Puterbaugh, nos Estados Unidos. No Brasil, recebeu dois Prêmios Jabutis, em 2005, pelo livro Vozes do Deserto (2004) como Melhor Romance e Melhor Livro do Ano na Categoria Geral.
Formada em jornalismo pela Faculdade de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Nélida Piñon foi empossada na cadeira nº 30 da Academia Brasileira de Letras em 1990, quando começou a trilhar seu caminho à presidência da instituição, consumado sete anos depois. Em seu discurso de posse, Nélida reconhece a importância daquele marco para história das mulheres escritoras — “É como mulher, escritora, cidadã brasileira que hoje, com a ajuda de Deus, dos brasileiros amantes das causas nobres, dos membros desta Casa, que libertos de preconceitos confiaram na minha condição feminina, assumo, comovida, a presidência da Academia Brasileira de Letras”.
Nélida Piñon se dizia filha dos livros. E foi com livros que ela presenteou a humanidade e construiu seu legado. Uma intelectual que não tem medo de se posicionar politicamente, várias foram as entrevistas em que critica o atual governo, Nélida é autora dos títulos A Casa da Paixão (1972); Sala das Armas (1983); Livro das Horas: memória (2012); Filhos da América (2016) e muitos outros. Uma mulher para ler e se inspirar.
REFERÊNCIAS:
Discurso de Posse na Presidência da ABL. Academia Brasileira de Letras. Disponível em: https://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm%3Fsid%3D290/Discurso%20de%20Posse%20na%20Presid%C3%AAncia%20da%20ABL Acesso em: 2 maio 2022.
Sobre a autora:
Shirley Pinheiro
Graduanda em Letras pela Universidade Regional do Cariri.