Jáder de Carvalho e a poesia bárbara do homem cearense

“Eu nasci nos tabuleiros mansos de Quixadá

e fui crescer os canaviais do Cariri,

entre caboclos belicosos e ágeis.

Filho da gleba fruto, em sazão ao sol dos trópicos,

eu sou índice do meu povo:

se o homem é bom – eu o respeito 

se gosta de mim – morro por ele”

(TERRA BÁRBARA, 1982)

Foi no final do primeiro ano do século XX, em 29 de dezembro de 1901, que nasceu Jáder Moreira de Carvalho, no distrito de Serra do Estevão, em Quixadá. O cearense foi jornalista, sociólogo, advogado, professor e romancista, mas, de acordo com seu filho Cid Carvalho, “o que ele mais gostava de ser era poeta”.

Um dos maiores intelectuais da sua época, teve seu caminho atravessado por diversas pedras, desde a seca de 1915, à perseguição política na Era Vargas. Era filho de Francisco Adolfo de Carvalho, um funcionário da Rede de Viação Cearense (RVC), cujo serviço exigia que a família mudasse constantemente de residência. Assim, foi em Iguatu que Jáder de Carvalho começou a imprimir um seminário de letras na tipografia arrendada por seu pai.

Jáder de Carvalho foi o fundador do jornal A Esquerda (1928) e do Diário do Povo (1947), que teve colaborações de outros autores, como o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Um grande crítico do governo de Getúlio Vargas, era professor de Sociologia no colégio Liceu, em Fortaleza, quando o presidente retirou a disciplina da grade curricular das escolas, passou então a lecionar História. Participante ativo do Partido Comunista Brasileiro (PCB), foi preso em 1945, quando o estado insinuava apoio ao Governo Nazista, do alemão Adolf Hitler, na Segunda Guerra Mundial. Jáder de Carvalho foi condenado a 20 anos de reclusão por fazer um discurso anti-nazista. Em sua crônica “Tempo Político” (1981), ele diz: “O povo juntou ferro velho num dos cantos da Praça da Escola Normal e a esse montão de sucata deu o nome de Pirâmide de Stalingrad. […] Embora doente, fui levado ao pé da Pirâmide. Pediam-me um discurso contra Hitler e Mussolini. Eu fiz mais do que me solicitavam: pronunciei palavras candentes contra os dois e também contra Getúlio. […] Por causa desse discurso, um major denunciou-me à polícia. A polícia ouviu alguns cadetes da Escola Preparatória e eu, mais uma vez, passava a responder perante o Tribunal da Segurança. […] No final da farsa, estourava uma sentença, subscrita por um coronel do Piauí, presenteando-me com vinte anos de reclusão”. (CARVALHO, 1981 apud LOPES, 2018)

O período do Estado Novo, um dos nomes pelos quais ficou conhecido o governo de Getúlio Vargas, foi a primeira experiência do Brasil em um regime de governo autoritário. A instauração de uma ditadura está sempre acompanhada da perseguição às manifestações artísticas, sendo assim, na Era Vargas não foi diferente. Em 1937, o Centro de Cultura Infantil, primeira biblioteca do Rio de Janeiro direcionada às crianças e criado pela poeta Cecília Meireles, foi fechado sob as ordens do então presidente. Em sua obra Anarquistas Graças a Deus (1979), a escritora Zélia Gattai relata o episódio em que seu pai, Ernesto Gattai, foi acusado de ser um “comunista perigoso” cujas provas de acusação eram: “armas — a velha espingarda de caça, pendurada em seu lugar de sempre, atrás da porta —, farto material subversivo, constituído pelos volumes de nossa pequena e manuseada biblioteca. Livros de Victor Hugo: “Os Trabalhadores do Mar”, “Os Miseráveis”, “Notre-Dame de Paris”; Émile Zola: “Acuso!”, “Thereza Raquin”, “Germinal”; de Pietro Gó-ri, “Dramas Anarquistas”, relíquias sagrada de dona Angelina — com a agravante de serem todos os volumes encadernados em vermelho, encadernações bastante desbotadas pelo tempo, mas na cor proibida”. (GATTAI,1979)

Jáder de Carvalho, foi um dos grandes torturados do século XX, autor de A Criança Vive (1945), Sua Majestade, o Juiz (1962), Aldeota (1963) e Terra Bárbara (1982). Foi um dos precursores do modernismo no Ceará, sua poética era caracterizada pelo regionalismo, pela exaltação da terra natal e pelo louvor ao Ceará. Em 1929, publicou ao lado de outros escritores cearenses a obra O Canto Novo da Raça. Em 1931, publicou seu primeiro livro de poesia Terra de Ninguém.

Um poeta diretamente ligado às suas raízes e à temática social, Jader de Carvalho foi vencedor do prêmio Olavo Bilac de Poesia com o livro Água da Fonte (1966), fez parte da Sociedade Brasileira de Sociologia e do Instituto do Nordeste. Foi ocupante da cadeira nº 14 da Academia Cearense de Letras (ACL) que hoje é ocupada por seu filho, Cid Carvalho. Jáder de Carvalho foi um poeta revolucionário, dono de uma poesia bárbara, como a terra que cantava.

FONTES:

LOPES, Sávio Alencar de Lima. Jáder de Carvalho : Roteiro incerto para uma biografia. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades, Programa de Pós-Graduação em Letras, Fortaleza, 2018.

GATTAI, Zélia. Anarquistas, Graças a Deus. 1979.
TVAssembleiaCeara. PERFIL | Jáder de Carvalho por Cid Carvalho e Ângela Barros Leal. YouTube, 5 de mar. 2018. Disponível em: <https://youtu.be/PadKIE9k2hM>. Acesso em 26 de dez. 2021.

Sobre a autora:

Shirley Pinheiro
Shirley Pinheiro

Shirley Pinheiro

Graduanda em Letras pela Universidade Regional do Cariri.

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